Sinto
que o percurso é curto e enredado entre os meus e os teus dedos, percorridas que
são céleres as distâncias enquanto os nossos corpos permanecem estendidos,
deitados como corpos de outros que não nós colados em silêncio que é ao mesmo
tempo grito vindo de dentro de nós como o fogo ardendo que não queima.
Seja tudo suor ou lágrimas (nunca se sabe) os nossos desejos antes tão desejados foram agora cumpridos como num relógio e consumidos - deles nada mais resta.
No silêncio dos corpos as argolas de fumo consomem-se no ar enquanto na tua fonte escorre o líquido que te molha e me enerva. E é uma chuva entre ervas que se dilui como eu me diluo nesta vontade de partir para o laranja tardio que aparece atrás do monte e das árvores entrando pela janela aberta onde balouçam as cortinas que não fizeste.
Calmo estou, mesmo assim, calmos estamos (tu estás sempre calma - ou será apática?) e os teus dedos percorrem o percurso do meu corpo. Pudera, não tens outra coisa que fazer senão entreteres-te, brincar, como brincas sempre.
Inebriam-te as sereias cantando à passagem na viela escura em que se tornou o quarto em noite já cansada de navegar e eu vejo-me em rosto inocente, imaginando de novo a vitrina baça da loja, com roupas, cestos e cordas e sinais em fogo de luzes e fumo na neblina em que nos reencontrámos.
Ainda sou o mesmo, ainda me sinto o mesmo. Mas tu já não és...eras livre, filha da rebeldia que o sangue derramado sagrou em mãe forte, senhora da floresta e do deserto. Eu ainda sou, ainda sou, na noite incerta que vibra ainda aos passos dos assassinos da tua vontade de seres.
Cubro-me no meu mundo, tenho medo do teu, mas da sombra escaldante desce sempre o movimento curvo das tuas asas. Estás aí, estás aqui, quisera que não estivesses. Passado tempo, todo o tempo em que ainda tenho de ficar não querendo, uso o manto nocturno mas não sei se o sonho constante nas horas perdidas em ti me volta ao corpo ou se o teu e o meu desejo renascendo vencem a castidade da minha ausência.
Vou descobrindo de novo que estás pronta sem o saber - nunca sabes - e fazemos novamente um todo das nossas duas metades quase como se fosse destino, obrigação, dever ou qualquer coisa assim.
Sem falso pudor fazes o jogo do costume (como eu gostava que fosse a sério!) e arredas-me com a ponta do lenço que te escondeu e tão concreta como a recusa falas da vida e de outra coisa qualquer.
Sou já pedra cinzenta quando teu corpo desce em asas e o teu rosto beija a terra enquanto a brisa afaga os teus cabelos alisados. Sempre tiveste a mania que esse penteado te ficava bem.
Reparo então que a falta que me fazes te faz os olhos um pouco belos. «Valha-me isso», digo para mim mesmo em voz que se não ouve: sempre se reduz o peso do sacrifício.
Daniel Teixeira (Série textos complicados)