E
é sempre assim

Conto de Daniel Teixeira
Desde sempre que pensei que as coisas iam ficar por ali. Aliás desde o primeiro
minuto que interiormente já pensava isso. Quer dizer, eu já a conhecia um pouco,
muito pouco, é certo, mas sabia que havia uma diferença grande entre nós.
Talvez não fosse assim tão grande, essa diferença, afinal e talvez fosse eu
mesmo que a fizesse grande. Talvez tenha sido assim tal como as coisas se passam
nos dias das nossas vidas quando nem sequer queremos desejar uma coisa que
sabemos não poder vir a ter.
O processo para mim é simples, ou é fácil de explicar e é quase evidente que eu
o reconheça, o processo. Colocamos essa coisa que não podemos ter muito longe do
nosso alcance para não vir a desejá-la e para não sofrermos por não a ter.
Era isso que eu pensava dela, ou era assim mesmo que eu pensava e por mais
voltas que tivesse dado às minhas ideias sobre ela dificilmente teria pensado
que as coisas não tivessem ficado por ali, quer dizer por ali onde eu as tinha
colocado: ela inalcançável e eu sem ambições frustrantes sobre a forma como
alcançá-la.
Depois, bem, depois, passado já bastante tempo de nos conhecermos as coisas
deram uma volta, ou mesmo duas, se quisermos. Não sei exactamente como as coisas
se foram passando e como o tempo conseguiu influir, mas houve um dia, aquele
dia, em que as nossas distâncias diminuíram. E é por isso que eu disse acima que
talvez tenha havido duas voltas porque acho que a nossa ideia se aproximou,
convergiu, vinda de dois sentidos. De mim e dela.
Foi quase por acaso acho eu, talvez estivéssemos os dois precisados um do outro,
ou cada um de nós de um outro. E o que se seguiu foi muito rápido.
Muito rápido mesmo foi aquele passo de proximidade e convergência.
Estivemos envolvidos durante toda a tarde e durante toda a noite: fomos dois
rios sedentos de foz, duas cascatas deslizantes em murmúrio, dois corpos em
reencontro, duas almas sobrevoando-se.
Depois, bem, depois, veio o sol, quer dizer, o sol da manhã começou a entrar por
entre os cortinados, a derramar-se sobre os nossos corpos, sobre os seus
cabelos, sobre o seu peito, sobre a sua face.
E foi estranho como me ficou a parecer, em poucos minutos ou mesmo em poucos
segundos, que tudo aquilo era absurdo, que não estava tudo certo, que havia ali
qualquer coisa ou quase tudo que não tinha lugar e que aquele não era o nosso
mundo desejado e não era um mundo a desejar. Foi mesmo estranho, muito estranho.
E foi isso que senti, estranheza.
Agora que penso nisso, já passado algum tempo, talvez não tenha sido estranho
mesmo, nada estranho, aquilo que senti naquela manhã ensolarada naquele quarto.
Foi somente o manifestar daquele meu desejo de manter as coisas como estavam
antes, quer dizer, de a manter naquele justo ponto da minha ideia : ela
inalcançável e eu sem ambições frustrantes sobre ela.
Daniel Teixeira